É gritante a diferença jurídica entre os militares das Forças Armadas
e os Policiais Militares Estaduais. É Flagrante a incompatibilidade
entre os Militares Estaduais e os Militares das FFAA.
Referência ao acórdão do CC 7.051/SP, STF Rel. Min. Maurício Corrêa:
“2. A leitura do artigo 42 da Constituição Federal não autoriza o
intérprete a concluir pela equiparação dos integrantes das Polícias
Militares Estaduais aos Componentes das Forças Armadas, para fins de
Justiça”.
É que o Superior Tribunal Militar patenteou pacífica orientação de
que o crime de Deserção é de mão própria e tem como agente o militar da
ativa.
Com efeito, o art. 4°, inciso II do
Estatuto dos Militares estabelece que a Polícia Militar e Corpo de
Bombeiro Militar são reservas das Forças Armadas:
Art. 4º São considerados reserva das Forças Armadas:
I - individualmente:
a) os militares da reserva remunerada; e
b) os demais cidadãos em condições de convocação ou de mobilização para a ativa.
II - no seu conjunto:
a) as Polícias Militares; e
b) os Corpos de Bombeiros Militares.
Além disso, o art. 3°, §. 1°, alínea “a”, inciso III, esclarece que
os componentes da reserva podem vir a integrar o quadro “da ativa” em
ocasiões especiais:
Art. 3º Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares.
§ 1º Os militares encontram-se em uma das seguintes situações:
a) na ativa:
I - os de carreira;
II - os incorporados às Forças Armadas para prestação de serviço militar inicial, durante os prazos previstos na legislação que trata do serviço militar, ou durante as prorrogações daqueles prazos;
III – os componentes da reserva das Forças Armadas quando convocados, reincluídos, designados ou mobilizados;
IV - os alunos de órgão de formação de militares da ativa e da reserva; e
V - em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças Armadas.
b) na inatividade:
I - os da reserva remunerada, quando pertençam à reserva das Forças Armadas e percebam remuneração da União, porém sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação ou mobilização; e
II - os reformados, quando, tendo passado por uma das situações anteriores estejam dispensados, definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continuem a perceber remuneração da União.
III - os da reserva remunerada, e, excepcionalmente, os reformados, executado tarefa por tempo certo, segundo regulamentação para cada Força Armada. (Alterado pela L-009.442-1997)
Do exposto, tem-se:
1. Sujeito passível de “convocação”: os reservistas, militares estaduais e integrantes da reserva remunerada;
2. Sujeito passível de “reinclusão”: os integrantes da reserva remunerada, isto é, quando percebam remuneração da União;
3. Sujeito passível de “designação”: os reformados das Forças Armadas e da reserva.
4. Sujeito passível de “mobilização”: os militares estaduais, reservistas, integrantes da reserva remunerada e, em estado de guerra, o civil.
Em suma, tanto os militares estaduais quanto os reservistas são
“militares em potencial”, ao passo em que se sujeitam às situações acima
previstas para integrar temporariamente o quadro da ativa da Forças
Armadas, como componentes das Forças Auxiliares.
São os “cidadãos em condição de convocação ou mobilização” a que se refere o art. 4°, inciso I, alínea “b” acima consignado.
O militar estadual em condição ordinária de Servidor Público Militar
Estadual NÃO É MILITAR EM SUA CONCEPÇÃO ORIGINAL, até porque não se
ajusta a quaisquer das situações previstas no art. 3°, § 1°, alínea “a”,
especificamente quanto à situação de atividade.
Também não se pode amoldar o militar estadual no conceito de “militar
da inatividade”, nos termos de que trata a alínea “b” deste artigo, já
que se limita aos componentes da reserva remunerada “que percebem
remuneração da União”. Definitivamente, não é o caso do agente de
polícia ou bombeiro militar.
Portanto, como o militar estadual não se encontra naquelas situações
previstas como sendo da ativa ou inatividade, não é considerado militar
“membro das Forças Armadas”. Na verdade, a condição do militar estadual
em relação às Forças Armadas é semelhante à do reservista. São “militares pro-tempore”.
Em relação ao Código Penal Militar, ele não se afeiçoa à expressão
“militar em situação de atividade”, pois esta denominação se confunde
com o termo “militar da ativa”:
Art. 6º São equivalentes as expressões “na ativa”, “da ativa”, “em serviço ativo”, “em serviço na ativa”, “em serviço”, “em atividade” ou “em atividade militar”, conferidas aos militares no desempenho de cargo, comissão, encargo, incumbência ou missão, serviço ou atividade militar ou considerada de natureza militar nas organizações militares das Forças Armadas (…) Estatuto dos Militares.
Tampouco se pode afirmar que o serviço policial militar, o
patrulhamento ostensivo e a prevenção da ordem pública sejam atividades
de “natureza militar”; do contrário não teria sentido o seguinte
dispositivo do art. 9°, inciso III, do Código Penal Militar:
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, “ou” no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.
No texto acima, a conjunção “ou” caracteriza a distinção entre
“função de natureza militar” e “serviço de garantia e preservação da
ordem pública”.
Não há também falar em “máculas” à Administração Militar, haja vista
que o serviço policial militar vincula-se à Administração Pública.
Destarte, no caso em exame não incide o seguinte dispositivo do CPM:
Equiparação a militar da ativa
Art. 12. O militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, equipara-se ao militar em situação de atividade, para o efeito da aplicação da lei penal militar.
O termo “empregado na administração militar” se restringe às
situações peculiares em que o servidor militar estadual (reserva de
Exército) é mobilizado, convocado ou designado, hipótese em que,
conforme já descrito, ele se equipara ao militar da ativa. É justamente
quando “deixa de ser militar em potencial” para se tornar “militar ao pé
da letra”.
Todavia, fora dessa exceção, o policial e bombeiro militar estadual,
bem como os reservistas, não são militares, mas sim “cidadãos sujeitos à
disciplina militar”, ou seja, pessoas passíveis de se tornar “militares
provisórios”.
Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação deste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar.
Se os militares estaduais fossem equiparados aos militares das Forças
Armadas, e a atividade policial às de natureza militar, o policial,
quando em serviço, responderia perante a Justiça Castrense pelos crimes
praticados contra civil, nos termos do art. 9, inciso II, alínea “c” do
CPM:
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função contra civil, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar.” (síntese literária)
E o cidadão civil também responderia na Justiça Militar pelos crimes
de desacato, resistência, desobediência, de acordo com que dispõe o
inciso III, alínea “d”, deste artigo:
III - os crimes praticados por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos (sintaxe):
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar no desempenho de serviço de garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior (sintaxe).
Todavia, a jurisprudência é pacífica ao firmar a competência da
Justiça Comum nestes casos. Assim, o militar estadual, não sendo
considerado “militar propriamente dito” para fins de subsunção típica
dos crimes militares impróprios, também não o é, e com maior ênfase, no
que concerne aos crimes propriamente militares.
Referência ao acórdão do HC n° 72.022/PR, Rel. para Acórdão Min. Marco Aurélio: “Ainda que em serviço a vítima – policial militar e não militar propriamente dito…”
Informativo nº 102, quinta turma, STJ, HC 11.376/SP: “Compete à
Justiça comum estadual processar e julgar crime de desacato praticado
por policial militar reformado contra policial militar em serviço de
controle e sinalização de trânsito.”
Segundo a técnica hermenêutica, o crime de deserção, por ter como
objetividade jurídica a Administração Militar, e não a Administração
Pública, não pode nem deve ser imputado aos militares estaduais, salvo
nas hipóteses definidas em lei.
As instituições militares estaduais, embora reservas das Forças
Armadas, desempenham serviços destinados à manutenção da ordem pública e
a proteção da incolumidade física e moral das pessoas. Todavia, em
situações especificamente definidas em lei e que ensejam convocação ou
mobilização dos seus componentes, tais atividades se nivelam às
essencialmente ou de natureza militar.
Contudo, em caso de greve, a Polícia Militar pode ser mobilizada,
sendo que o cargo policial militar passa a ser considerado “cargo de
natureza militar” e os militares estaduais são incorporados à ativa da
Forças Armadas, por meio do respectivo ato, podendo figurar como agentes
ativos ou passivos dos crimes propriamente militares.
Porém, em situação de normalidade, o agente de polícia militar responde no Juizado Especial Criminal por abandono de função:
Art. 323 CP - Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei.
Conclui-se, portanto, que o militar estadual só é considerado
“militar” às luzes da legislação estadual pertinente, visto que se
sujeita à hierarquia e disciplina, inspiradas no regulamento do
Exército. Contudo, realizam atividades civis, sendo que, em regra, são
assim concebidos pela lei penal.
Segundo o Código Penal Militar, são considerados militares, para
efeitos de aplicação da lei penal militar, os incorporados às Forças
Armadas, mediante procedimento específico – no caso dos militares
estaduais, a convocação ou mobilização.
*Fábio Brito é Primeiro Sargento da Polícia
Militar, Bacharel em Direito e Especialísta em Segurança Pública pela
Universidade Federal da Bahia – UFBA, além de Coordenador de Assuntos
Jurídicos da ASPRA-BA
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